Gonçalo Ramos é o homem do momento no futebol português. O craque do Benfica teve a tarefa de substituir Cristiano Ronaldo no onze inicial, numa partida do Mundial, e não poderia ter assumido melhor a batuta. O avançado do Benfica marcou três golos numa eliminatória do Campeonato do Mundo, na primeira vez em que foi titular, um feito extraordinário e que levou Luís Osório a uma viagem ao passado.
No seu ‘Postal do Dia’, o jornalista não falou sobre este Gonçalo Ramos, herói mundialista, mas antes sobre o percurso que trouxe Gonçalo até este momento, a começar pelo pai, Manuel Ramos, e que muitos adeptos portugueses certamente se recordarão de ver jogar no Farense. Um texto incrível sobre uma promessa que começou no pai e que foi agora cumprida pelo filho.
“POSTAL DO DIA
O segredo que Gonçalo Ramos guardou até ontem
1.
Gonçalo é o novo herói português.
O segundo mais jovem a marcar três golos num campeonato mundial depois de Pelé.
Tem 21 anos e para espanto do mundo substituiu Cristiano Ronaldo. No final do jogo o espanto do mundo transformou-se em perguntas e mais perguntas – que miúdo é este, o que dele poderemos mais esperar, que história é a sua?
Gonçalo está nos jornais de todo o mundo. Invariavelmente com um tom de espanto a seguir ao seu nome.
Fazem-se apostas sobre o seu próximo destino, os benfiquistas desesperam pela ideia de o ver partir.
2.
Mas vou contar-te o que me passou pela cabeça.
Em cada golo do Gonçalo pensei no seu pai, um ex-futebolista profissional que ontem chorou a cada golo do seu filho pródigo.
Eu vi jogar Manuel Ramos.
Era pequenino, muito mexido, rápido e agressivo. Jogava sempre pelo lado direito, marcava golos e entusiasmou durante três ou quatro épocas os adeptos do Farense.
Muito jovem, e já na primeira divisão, não faltava quem apostasse no seu sucesso.
Nas bancadas do São Luiz houve quem dissesse que o Ramos poderia chegar muito longe, quem sabe ao Benfica, ao Porto ou ao Sporting, quem sabe ter uma carreira no estrangeiro, o céu era o limite para aquele pequeno alentejano da Amareleja.
Manuel cresceu na ideia de que poderia vir a ganhar muito dinheiro no futebol.
Nessa esperança teve os seus filhos.
Nessa esperança nasceu Gonçalo – precisamente no ano em que o pai saiu do Farense para o Salgueiros.
3.
Foi uma triste coincidência pois os sonhos do pai começaram a desvanecer-se por essa altura.
Foi desaparecendo dos olhares.
Deixou de jogar na primeira divisão.
Deixou de ganhar o dinheiro que um dia pareceu poder estar ao seu alcance.
Teve de se fazer à vida, arranjar outros trabalhos, zelar para que a sua família, os seus filhos, para que o pequeno Gonçalo não tivesse que passar por necessidades.
O Manuel teve sucesso.
Nunca lhes faltou nada.
4.
E ontem, quando vi Gonçalo Ramos marcar três golos à Suíça, ao ver a FIFA a destacá-lo como uma estrela que nasceu, pensei no pai.
No que deve ter recordado.
No dia em que viu o filho partir de Olhão para Lisboa. Sozinho, com 13 anos e um contrato para jogar nos iniciados do Benfica.
Nos telefonemas diários que, com a mãe, matavam as saudades com perguntas e cuidados.
Nos fins-de-semana em que viajava do Algarve para Lisboa para o ver jogar. Nos conselhos que lhe deu.
– Faz isto, Gonçalo.
– Faz aquilo, Gonçalo.
– Tu podes lá chegar, Gonçalo.
5.
“Tu podes lá chegar e cumprir o destino que parecia ser o meu” – talvez tenha sido isso que o Manuel pensou ontem quando viu o seu menino, com 21 anos, explodir para o mundo e fazer-se estrela.
O Manel era pequenino, mexido, chato para os adversários.
Recordo os adeptos do Farense a levantarem-se quando ele acelerava até à linha de fundo – naquele estádio algarvio o público está em cima dos jogadores, os gritos entram-lhes pelos ouvidos.
– Vai Manel, vai à linha, parte o defesa, chuta.
Foi isso que o Manel fez ontem na nossa noite de glória.
Em cada golo do Gonçalo ele voltou a ir à linha, voltou a partir os defesas e a chutar.
E a marcar o melhor golo da sua vida.
O Manel Ramos não sabia, mas aqueles adeptos do Farense tinham mesmo razão.
Ele tornou-se mesmo uma estrela.
No corpo do seu filho Gonçalo ele dispara balas que são um bocadinho suas.
Foi esse o segredo que o Gonçalo e o seu pai guardaram até ontem.
E não há orgulho maior para um pai.
E para um filho também”.
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