Pode acontecer dentro de cinco épocas, se ele quiser jogar até aos 40 anos. Com os dois golos marcados pela seleção à Suécia, Cristiano Ronaldo leva já 797 na carreira (em jogos oficiais e particulares). E está cada vez mais perto de tornar-se o melhor goleador de sempre em partidas oficiais: com 739, ultrapassou Müller (735) e está cada vez mais perto de Puskas (746) e Pelé (767), não sendo impossível alcançar o líder da lista, Josef Bican, com 805
É o próximo objectivo de Cristiano Ronaldo: tornar-se o melhor marcador de sempre em seleções nacionais, ultrapassando os 109 golos do iraniano Ali Daei. E já só faltam oito para atingir mais esse recorde, depois dos dois golos apontados à Suécia, na passada segunda-feira, dia 8 de setembro, numa partida da Liga das Nações. “Sabia que se estivesse bem, o míster podia contar comigo como sempre e correu bem. Foram dois golaços e estou muito feliz. Consegui bater essa marca dos 100 golos. Agora, o recorde, é ir passo a passo, não vivo numa obsessão”.
Ao atingir o golo 100 (e 101) pela seleção portuguesa (só Ali Daei o tinha conseguido, numa lista que tem Puskas em 3º, com 84), Cristiano Ronaldo foi felicitado por muitos jogadores e ex-futebolistas, como foi o caso de Pelé. O astro brasileiro já lhe tinha dado os parabéns no dia 31 de agosto de 2017, quando Ronaldo, ao fazer um hat-trick na vitória de Portugal (5-1) sobre as Ilhas Faroé, chegou aos 78 golos pela selecão, ultrapassando os 77 de Pelé pelo Brasil. Além das palavras simpáticas, Pelé deixou ainda um desafio: “Nós jogamos em tempos distintos, mas a magia do futebol está nos golos. Ele agora só tem de marcar mais de 1283 golos”.
Pelé referia-se aos 1283 golos da sua carreira (conseguidos em 1375 jogos oficiais e amigáveis), um número reconhecido pelo Guiness Book, que em 2013 o elegeu como o maior goleador da História do futebol. Esse recorde não é consensual (também poderão ser 1284 ou 1285 golos), uma vez que há três jogadores que terão marcado mais do que Pelé, embora os documentos existentes não sejam considerados fiáveis para o provar.
São eles o austríaco Josef Bican, que entre 1928 e 1953 terá alcançado 1468 golos em 918 jogos (oficiais e amigáveis), o alemão Gerhard Muller (1461 golos em 1216 jogos oficiais e amigáveis entre 1963 e 1982) e o brasileiro Arthur Friedenreich (1329 golos em 1239 jogos oficiais e amigáveis entre 1909 e 1935). Pelé surgiria assim em 4º lugar, segundo os dados do site especializado em estatísticas Rec. Sport. Soccer Statistics Foundation.
Outro facto usado para minimizar o recorde de Pelé prende-se com o grande número de golos em jogos amigáveis: são 526, o que o deixa no 3º lugar no ranking de maiores goleadores em jogos oficiais, com 767, atrás dos 772 de Romário e dos 805 de Josef Bican.
Pelé jogou entre 1957 e 1977, numa altura em que não havia campeonato brasileiro, apenas estaduais (oficialmente só existe desde 1989, mas a partir de 1971 surgiram os primeiros torneios nacionais), nem substituições ou cartões amarelos, realizando-se muitos jogos amigáveis. “O futebol era muito diferente. Na década de 50, os jogadores percorriam, em média, 4 km por jogo; no final dos anos 70, esse valor passou para 8,5 km, e actualmente é de 10/12 km”, apontou Turíbio Leite, antigo coordenador de Fisiologia do São Paulo, em declarações ao site VIX.
Olhando só para os jogos oficiais, Cristiano Ronaldo está no 5º lugar, com 739 golos, tendo ultrapassado esta época a barreira dos 700. Ronaldo tem 35 anos e não é de espantar que até ao fim da carreira consiga tornar-se no jogador com mais golos em jogos oficiais: afinal, faltam-lhe “apenas” 67 para ficar à frente de Bican (deverá consegui-lo em duas épocas). Chegar à mítica marca dos 1000 golos, acrescentando os obtidos em jogos amigáveis ou de selecções sub-21 e olímpica (como fez Romário, por exemplo), é que será mais difícil.
A SÁBADO fez um levantamento exaustivo de todos os jogos de Ronaldo na sua carreira sénior e registou 797 golos (739 em jogos oficiais e 45 em particulares). Para chegar a esse número contabilizámos ainda os nove obtidos nos desempates por penáltis. Este é um momento dramático que não costuma ser levado em conta para efeitos estatísticos, mas erradamente, uma vez que os penáltis podem valer um campeonato do mundo (como aconteceu com o Brasil em 1994 e com a Itália em 2006) ou uma Liga dos Campeões (Ronaldo ganhou assim duas Champions, e em 2016 foi ele que deu a vitória ao Real Madrid ao marcar o penálti decisivo frente ao At. Madrid).
Com 797 golos (em jogos oficiais e particulares), Ronaldo está a 203 dos 1000. Para lá chegar, terá de marcar uma média de 41 nas próximas cinco épocas. É impossível? Nada disso. Em 2019/20, apesar da paragem devido à Covid-19, marcou 51 (48 em jogos oficiais e três em jogos-treino de pré-época), sendo 40 (37 em jogos oficiais e três em particulares) pela Juventus e 11 pela seleção portuguesa.
Ronaldo poderia facilmente ter números ainda mais avassaladores se tivesse participado naqueles jogos de pré-época com equipas amadoras. Desde que começou a carreira, em 2002, isso só aconteceu duas vezes: no primeiro jogo dessa época de estreia nos seniores do Sporting, ao fazer um golo na goleada (9-0) ao Samouquense; e pelo Real Madrid, no empate (2-2) com a selecção de Múrcia, em 2010/11. De resto, e mesmo na pré-época, os golos de Ronaldo são a equipas de topo, como Milan, Bayern Munique, Tottenham, Inter Milão, Chelsea ou Manchester City.
O avançado madeirense não costuma fazer muitos jogos de preparação: tem 80 em 19 épocas. Os anos mais férteis foram os dois no Sporting, com 15 golos. Em 2018/19, na estreia pela Juventus, apenas fez um jogo (contra a equipa B, e marcou um golo), e na época passada, também na equipa de Turim, apenas fez quatro jogos (e conseguiu três golos), e houve alturas em que não cumpriu qualquer jogo na pré-época, como sucedeu no Manchester United em 2004/05 e 2008/09. A razão? Teve férias mais tarde depois dos bons desempenhos da selecção portuguesa, que em 2004 chegou mesmo à final do Europeu, ou então devido a problemas físicos, como aconteceu no Real Madrid em 2016/17.
Marcando 41 golos por época (algo que nos últimos 11 anos só não conseguiu em 2018/19, na mudança do Real Madrid para a Juventus, quando fez 32) durante mais cinco anos, chegará aos 1002 golos. Mas, será que Ronaldo vai conseguir continuar a marcar 40 golos por época? Será que vai jogar até aos 40 anos? E será que vai andar a arrastar-se por várias ligas até chegar à mítica marca dos 1000 golos, como fez Romário?
Ronaldo já falou várias vezes do fim da carreira. Em novembro de 2016, com 31 anos, prolongou o contrato com o Real Madrid e referiu que esperava “jogar mais 10 anos”, até aos 41. Mas, entretanto, o discurso dele mudou: a 9 de junho de 2019, depois de ganhar a Liga das Nações por Portugal, referiu: “Acredito que ainda sou um jogador útil, mas o Cristiano não é eterno”. A 29 de julho, quando recebeu prémio do jornal Marca, respondeu que aos 40 anos se via “a pescar na Madeira”. E em agosto, em entrevista à TVI, começou por dizer que poderia acabar a carreira já em 2020 ou aos 40 ou 41 anos. “Não sei, o importante é desfrutar do momento”, disse, adiantando depois que gostaria de ainda ir ao Mundial 2022. “Enquanto tiver forças irei sempre à selecção. Ou só quando não me quiserem”.
Para António Simões, antiga glória do Benfica campeão europeu, na década de 60, Ronaldo está a começar a ver que já não está a 100%. “Pode acontecer ele perceber, no seu orgulho, que já não consegue continuar a ser o melhor ou candidato a melhor do mundo e decide acabar a carreira ainda num certo auge”, aponta à SÁBADO. Na sua opinião, será difícil Ronaldo continuar a marcar 30 ou 40 golos por época. “Ele tem perdido algumas das suas capacidades, a velocidade, o repentismo, a aceleração. Terá de mudar a sua forma de jogar: ou fica mais fixo na área e poupa-se, ou, caso continue a correr desenfreadamente e a ir a todas as bolas, para mostrar que está bem, acaba por dar o estouro”.
Simões, que jogou cinco épocas nos EUA, três delas com Eusébio, na década de 70, vê Ronaldo como um ídolo em Los Angeles. “Não estou por dentro da cabeça e do coração dele, mas acredito que poderá jogar até aos 37 anos aqui na Europa, e terminar a carreira no Mundial 2022, com a camisola da selecção. Ou então ainda fazer mais uma ou duas épocas nos EUA, preparando-se para ser acor, porque ele tem essa ambição. É ator a jogar futebol, quer ser actor de Hollywood”.
Andar à procura do golo 1000 é que não lhe parece plausível, tal como jogar em campeonatos de segunda linha, como no Qatar ou na China – “isso é para quem precisa de dinheiro, ele já tem o saco cheio”. E terminar a carreira no clube do coração? “Também não me parece que faça sentido”, diz. “Ele já é maior que o Sporting e que Portugal. Com todo o respeito, faz algum sentido ir jogar com o Farense ou com o Tondela num estádio com 3 ou 4 mil pessoas? E para quê? Para conseguir ser campeão em Portugal?”
Este artigo (entretanto atualizado) foi publicado na edição 800 da SÁBADO, em agosto de 2019.